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Luis de Guindos
Vice-President of the European Central Bank
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Entrevista ao jornal Expresso

Entrevista a Luis de Guindos, vice-presidente do BCE, realizada por Gonçalo Almeida em 13 de setembro

20 de setembro de 2024

Há dois anos, quando o BCE começou a subir as taxas de juro, disse ao Expresso que não sabia até onde podiam ir as taxas. Alguma vez pensou que fosse possível chegar ao patamar a que chegaram?

Falar sobre o passado é sempre muito mais fácil do que falar sobre o futuro. Há dois anos, a inflação estava muito alta. Temos de nos lembrar que rondava os 10%. No auge, tivemos de aumentar bastante a restritividade da nossa política monetária. Mas, penso que agora há boas notícias, que começaram a surgir com a queda da inflação, situada ligeiramente acima de 2% neste momento. Já reduzimos as taxas de juro duas vezes, em 25 pontos base cada, e penso que a mensagem principal que queremos transmitir agora é que a inflação se está a aproximar do nosso objetivo, de 2%, e prevemos que chegará lá no final de 2025.

Os mercados estão a prever cortes em todas as reuniões do BCE até final do ano. Isto é uma possibilidade?

Estamos totalmente empenhados em cumprir o nosso mandato e dependentes dos dados, reunião a reunião. Isso vai depender da evolução de todo o conjunto de dados que vamos receber. Teremos duas reuniões de política monetária do Conselho do BCE, em outubro e dezembro. E é factual se eu disser que, em dezembro, teremos mais informação do que em outubro. Teremos mais informação e novas projeções. Mas, sabe, temos mantido a porta completamente aberta. Queremos preservar a nossa flexibilidade e isso vai depender da evolução dos dados. É bastante claro – e penso que isto é relevante – que os dados da inflação de setembro vão parecer muito positivos devido aos efeitos de base, mas, ao mesmo tempo, no último trimestre do ano, a inflação vai subir devido aos efeitos de base. Portanto, estes são elementos que temos de levar em consideração. Contudo, volto a repetir, todas as opções estão em aberto.

Nas novas projeções macroeconómicas de setembro, o crescimento da economia na área do euro foi revisto em baixa. Considera que o BCE adotou uma política restritiva durante demasiado tempo?

Acho que temos de olhar para a inflação e para a sua evolução. Como já disse, tem sido bastante positiva e agora estamos a caminho de atingir o nosso objetivo no final de 2025. Mas penso que as razões subjacentes à evolução do crescimento das economias europeias estão muito mais relacionadas com outros fatores. É verdade que reduzimos a nossa previsão de crescimento, mas foi uma diminuição marginal, de apenas 0,1 pontos percentuais. No entanto, indicámos algo importante: acreditamos que os riscos para o crescimento estão inclinados para o lado negativo. A nossa projeção de crescimento baseia-se em dois elementos principais. O primeiro é que o consumo vai recuperar e o segundo é que haverá um aumento das exportações líquidas.

O consumo será fundamental?

Penso que o principal fator será a evolução do consumo. Acreditamos que, com a queda da inflação, os rendimentos reais das famílias vão crescer, o que vai reforçar o poder de compra dos agregados familiares. A evolução do mercado de trabalho é positiva, o que fará com que o consumo comece a crescer ao longo do tempo. Mas há outros fatores, como a confiança dos consumidores. Mesmo que os rendimentos reais melhorem, os consumidores podem considerar que há outros elementos que afetam a confiança, como os riscos políticos e outros aspetos que não podemos controlar. Contudo, a nossa previsão é de que a recuperação da economia será baseada no consumo e na recuperação do poder de compra das famílias.

Mas o BCE também reviu em baixa a projeção de crescimento do consumo privado para os próximos três anos. Que impacto é que isto terá nas empresas, principalmente no setor dos serviços? O caso da Volkswagen é um exemplo das dificuldades que se avizinham?

Considero que esse foi um caso muito específico, um caso particular. Vai ser muito importante começarmos a ver uma recuperação do consumo. Esse será o principal motor da recuperação económica, como já lhe disse. Estou plenamente convencido de que o rendimento disponível das famílias, em média, na Europa vai aumentar. Mas há outros fatores em jogo, porque o consumo não responde apenas ao rendimento no curto prazo. Penso que os consumidores precisam de ver aquilo a que os economistas chamam uma melhoria no rendimento permanente, no rendimento a longo prazo. E isso está muito relacionado com o sentimento e a confiança. Mas, neste momento, o nível de incerteza é enorme e é isso que está a moderar o comportamento do consumo. Considero que as bases para a melhoria do consumo no curto prazo estão presentes, embora existam outros fatores que não estão sob o nosso controlo. A confiança, principalmente, terá uma influência determinante no comportamento do consumo. Este é o principal risco que identificamos.

Mesmo com a subida das taxas de juro por parte do BCE a partir de julho de 2022, os empréstimos ao consumo subiram sempre na área do euro e particularmente em Portugal, em termos anuais. Apesar das condições adversas de crédito, as pessoas continuam a endividar-se para pagar as férias ou a compra do carro. Isto é perigoso?

Está completamente certo ao afirmar que há um aumento do crédito ao consumo, de forma geral. Contudo, no total, considero que esse aumento é bastante moderado. Se observarmos os dados agregados, é possível ver uma evolução dos empréstimos às famílias bastante contida e próxima de zero. Este é um dos motivos pelos quais indicamos que a política monetária está a funcionar.

Olhando agora para a inflação dos serviços, que é motivada precisamente pelo consumo. A inflação dos serviços representa quase metade da inflação global. Porque é que o BCE não está a ser capaz de controlar este segmento da inflação?

A inflação dos serviços é o ponto fraco da inflação, tanto no presente como no futuro. Penso que é necessário ter em consideração vários elementos: em primeiro lugar, a procura de serviços pode ser muito mais forte do que a procura de bens. Em segundo lugar, e este é o mais relevante, os serviços são muito sensíveis à evolução dos custos do trabalho. Temos observado que a dinâmica salarial tem sido bastante elevada. Existe alguma moderação agora, mas os salários, ou a compensação por trabalhador, estão a crescer a uma taxa superior a 4%. Simultaneamente, há outro fator, a produtividade, que tem estado próxima de zero. Assim, os custos unitários do trabalho têm aumentado. O setor dos serviços é particularmente sensível à evolução dos custos unitários do trabalho e acreditamos que a inflação no setor começará a cair, porque esperamos uma moderação nos acordos salariais e na compensação por trabalhador, e, simultaneamente, um grande aumento da produtividade. Penso que a pressão sobre os custos no setor dos serviços é o principal elemento de risco.

E Portugal é um dos países da área do euro onde os salários reais mais cresceram desde o ano anterior à pandemia…

Recentemente, os salários têm-se ajustado à inflação dos últimos meses. Inicialmente, a inflação cresceu de forma significativamente superior ao aumento dos salários, mas, naturalmente, os trabalhadores reagiram e agora há um processo de recuperação, que é normal e adequado. Na minha opinião, é necessário que esse ajuste salarial ocorra de forma prudente e gradual, respeitando a inflação. Ao mesmo tempo, vai ser importante registar-se uma melhoria na produtividade. O processo de absorção dos aumentos dos custos do trabalho nos lucros das empresas não vai durar para sempre. A nossa projeção mostra que a dinâmica salarial começará a moderar, como já mencionei, e acreditamos que em 2025 haverá uma clara desaceleração do aumento dos salários. Mas será essencial que a produtividade recupere, o que ainda é muito incerto.

Considera que o maior aperto económico já passou para as famílias ou vai fazer-se sentir nos próximos meses?

Nós começámos a aliviar a restritividade da nossa política monetária. Em países como Portugal, onde a maioria dos empréstimos bancários está indexado a taxas variáveis, a queda nas taxas de juro será sentida rapidamente no pagamento das prestações. Ao longo do tempo, algo semelhante acontecerá em Espanha. Noutros países, onde a percentagem de empréstimos a taxa fixa é maior, o impacto levará mais tempo a ser sentido.

No último Fórum do BCE, em Sintra, Christine Lagarde mostrou-se preocupada com o nível de dívida dos países da área do euro. Agora, o plano apresentado estes dias por Mario Draghi foi muito elogiado pela presidente do BCE, mas pressupõe a emissão de mais dívida. Não é contraditório?

Não. Em primeiro lugar, acreditamos que o plano é bom e o diagnóstico é correto. A parte mais importante do plano consiste nas recomendações em termos de reformas estruturais. O valor de 800 mil milhões de euros serve de ilustração, de forma a tornar ainda mais evidente a diferença em termos de investimento entre a Europa e os Estados Unidos. É uma forma de indicar o esforço que será necessário em termos de investimento público e privado. Há recomendações para dez setores e acredito que essa é a parte que precisamos de analisar com mais atenção, porque marca de maneira muito clara a agenda futura da política económica da União. Os 800 mil milhões de euros evidenciam as grandes lacunas que têm de ser eliminadas com uma agenda reformista. Isso não é da responsabilidade do BCE, mas sim dos governos. E estou convencido de que, se as políticas propostas no plano forem implementadas, esse montante pode ser menor.

Olhando agora para o setor bancário, os juros dos depósitos nos bancos comerciais estão a cair há oito meses na área do euro e Portugal é o quinto país com as taxas mais baixas. Durante este processo de subida das taxas de juro por parte do BCE, considera que os bancos comerciais podiam ter feito mais para incentivar a poupança das famílias?

Quando a transmissão da política monetária é eficaz, os aumentos ou as reduções das taxas de juro devem afetar tanto quem contrai empréstimos como quem poupa. As taxas ativas e a remuneração dos depósitos devem refletir as nossas taxas de juro. Atualmente, o custo dos empréstimos está a começar a diminuir e as margens dos bancos deverão começar a reduzir-se.

Acha que Portugal devia estar a taxar os lucros extraordinários dos bancos, tal como faz para outros setores?

A melhoria na rentabilidade dos bancos europeus foi algo temporário. Já começamos a observar que se estabilizou e projetamos que começará a diminuir. Portanto, os bancos e os investidores não devem tomar essa melhoria como garantida ou permanente. Não será duradouro.

O valor de mercado do norte-americano JP Morgan é superior ao dos dez maiores bancos europeus, todos juntos. A consolidação do setor na Europa é fundamental para a sua sobrevivência?

Acredito que a consolidação é algo relevante. No entanto, a comparação entre a valorização dos bancos europeus e dos Estados Unidos é um sinal dos potenciais problemas que enfrentamos. Penso que uma razão para isso é a ausência de uma união bancária completa e as abordagens nacionalistas que ainda existem no setor bancário. Por isso, os investidores consideram que o valor intrínseco dos bancos americanos é superior ao dos europeus. Nesse sentido, a integração transfronteiriça é importante e esperamos que continue a avançar num futuro próximo.

Em Portugal inclusivamente?

Os bancos portugueses estão a ter um desempenho bastante bom. A situação geral é favorável. Ao analisar a estrutura acionista, verificamos que alguns são detidos por investidores estrangeiros e outros por bancos estrangeiros. Existem sempre desafios pela frente, mas os bancos são sólidos e resilientes.

Na última década, o BCE manteve as taxas de juro negativas ou praticamente a 0%. Há alguma hipótese de as taxas alguma vez voltarem a este nível no futuro?

O futuro é um período de tempo muito longo (risos). No entanto, se considerarmos o curto e médio prazo, os próximos dois ou três anos, não acredito. Foi uma situação extraordinária. As taxas de juro a zero ou negativas responderam a uma situação muito concreta e penso que não voltaremos a elas no futuro próximo.

E acha que manter as taxas de juro nesse nível, durante tantos anos, causou alguma distorção no mercado?

Sempre que se toma uma decisão de política económica, há vantagens e desvantagens. Não há uma decisão que não tenha ambos os lados. No final, a decisão tomada teve mais vantagens do que desvantagens. Naquele período, lembre-se de que a inflação não era uma preocupação e o principal risco era a deflação. A deflação estava ligada a questões estruturais, como a globalização, o envelhecimento da população, a evolução do PIB e a competitividade. A situação atual é um pouco diferente. O processo de globalização está a mudar e, embora não estejamos a entrar numa fragmentação total, não vamos voltar ao que era antes. Este é um elemento estrutural importante, que irá influenciar a inflação e o crescimento nos próximos anos.

Mas essa política fez com que todos os investimentos parecessem atrativos, face aos depósitos nos bancos, criando uma forte pressão no mercado imobiliário. De alguma forma, foi um dos gatilhos para a crise na habitação que vivemos hoje em toda a Europa?

Atualmente, estamos num paradigma diferente. Antes de mais, não temos nenhuma bolha imobiliária como há 15 anos, embora haja um aumento dos preços. Existem fatores reais além das decisões de política monetária que influenciam a evolução do mercado de habitação. Este é um problema significativo, especialmente para os jovens. A questão da habitação acessível não é um problema apenas de Portugal, mas também de Espanha e de outros países. Devemos considerar políticas que incentivem e promovam a construção de habitação acessível e criem um mercado de arrendamento eficiente. Embora possamos recordar as consequências da bolha imobiliária passada, o problema atual é a escassez de habitação acessível e é importante reconhecer que a política monetária não é o principal fator por trás disso.

E considera que a atual medida do Governo português, de subsidiar a procura de casa para jovens, é um problema para o mercado?

Há aqui um problema real: os jovens não conseguem comprar ou arrendar casa. Isso tem implicações mais amplas, tanto a nível económico, como social, afetando a perceção geral da economia. Para resolver este problema, é essencial combinar dois elementos que os governos devem procurar implementar. Em primeiro lugar, é crucial promover a construção de habitação acessível, tanto para compra quanto para arrendamento, já que todos os mercados estão interligados. E, no curto prazo, se existirem segmentos específicos da população que não conseguem comprar ou alugar uma casa, considerar um subsídio temporário pode ser uma solução a ponderar.

A ida de José Luis Escrivá do Governo diretamente para o Banco de Espanha foi muito criticada. Pela sua experiência, tendo ido também do Governo espanhol para o Banco Central Europeu, as paredes de um banco central são à prova do poder político?

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que a nomeação dos governadores dos bancos centrais nacionais é da responsabilidade dos governos e não fazemos qualquer tipo de avaliação das políticas nacionais. O processo de nomeação dos membros da Comissão Executiva do BCE é diferente. Os membros da Comissão Executiva são nomeados pelo Conselho Europeu após votação no Parlamento Europeu. Acredito que, por vezes, ter uma perspetiva mais ampla sobre o funcionamento da economia é algo positivo. No caso de Espanha, a situação foi um pouco mais complicada porque, tradicionalmente, há um consenso sobre a escolha, mas, desta vez, esse consenso não foi alcançado.

O seu mandato como vice-presidente do BCE termina em 2026. Já sabe quem é que o vai substituir? Mário Centeno teria hipótese de assumir o seu lugar, por exemplo?

Não sei (risos). Terei muito pouco a dizer sobre a minha substituição, uma vez que será decidido pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu. O Mário é um grande economista, um excelente governador e um bom amigo, mas não tenho qualquer influência sobre a seleção do meu sucessor.

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